Meu aluno é um fracasso...

Achei muito interessante este texto de Celso Antunes, que nos faz refletir sobre avaliação...
 
Poucas palavras possuem sentido tão verdadeiro quanto o da palavra "fracasso". Conferindo-se em um dicionário, aprende-se que significa “estrondo de uma coisa que se parte e cai” e, dessa forma, expressa uma ideia amarga do “despedaçar”, cortar em pedaços. 
Se a palavra choca quando se refere a coisas, choca mais ainda quando se volta para um ser humano, uma criatura digna de amor como um filho e um aluno. Por essa razão, é que todo educador deve estar atento ao fracasso escolar, olhando-o como se olha uma doença infecciosa que necessita profilaxia urgente. Mas como esse cuidado deveria ser tomado? Que medidas devem ser procuradas para que essa doença terrível para a autonomia se instale?
O primeiro cuidado é o de se acreditar que pessoas diferentes aprendem de maneira diferente e não atribuem igual significação aos mesmos fatos e que, portanto, saber se um aluno (ou filho) está efetivamente aprendendo não implica em compará-lo aos demais e proceder a uma medição de coisas que assimilou. É enfim, essencial que se instaure uma diferenciação entre os envolvidos, avaliando se progrediram ou não sem se preocupar em colocar uma fita métrica para medir o quanto evoluíram.
Um cuidado paralelo, de simultânea importância, é refletir no verdadeiro sentido de uma “recuperação”. Recuperar mostrando alternativas e sugerindo caminhos diferentes não pode assemelhar-se à imposição de um castigo, proposta de ameaça, meio enganador para acreditar que quem não aprendeu, não aprendeu porque desejou provocar o professor e dessa forma precisa de um corretivo para essa teimosia. Recuperar um aluno não significa repetir procedimentos anteriormente tentados e que não deram certo, mas buscar caminhos alternativos e aferir sua eficiência.
A diferenciação no sistema de ensino e uma idéia efetivamente educativa de recuperação necessitam coragem para que a escola insista em descobrir e praticar o mínimo múltiplo comum, isto é identificar com clareza e objetividade o mínimo essencial que é válido saber e que seu domínio não seja possível caminhar novos passos. Para que se ilustre com exemplo esse procedimento, apanhe um compêndio escolar, examine a imensa diversidade de informações contidas no mesmo e olhando “por dentro” a vida de um aluno, pergunte-se daquilo tudo o que realmente é essencial para que o aluno viva melhor, faça compras, estabeleça relações, comunique-se com as pessoas, imagine sua felicidade. Os saberes escolares são diferentes dos saberes domésticos e assim se uma cozinheira é magnífica sem conhecer qual o minério que compõe a estrutura da lata de ervilhas que usa, qual a validade desse saber para fazê-la cozinheira melhor?
A busca desses fundamentos necessita ainda passar pelo desprezo  que todo educador precisa aprender com o mito de que “somos justos se agimos de maneira igual com todos”. Mestre com giz na mão não deve ter objetivos diferentes de um médico com o bisturi em ação e dessa forma cuidar melhor de quem mais precisa, atender com mais cuidado, quem apresenta dificuldades maiores.
Se estes passos forem percorridos com integral sinceridade e se forem assumidos por toda comunidade docente, não será difícil perceber que o estrondo do fracasso se dilui na exata proporção em que cresce no aluno a certeza de que a escola que o acolhe, trata-o com respeito e transforma sua ansiedade em segurança, seu medo em degrau a superar.